terça-feira, 28 de abril de 2015

HOMENAGEM A GILDO


DEZ ANOS SEM GILDO - UM CEGO DE VISÃO

Uma cidade pequena no interior de Pernambuco. Seu nome: Lagoa dos Gatos.

Na década de 20, uma jovem se apaixonou por um rapaz. Ela era de prendas domésticas, e ele, iniciante na profissão de barbeiro.

 Antônio Joaquim da Silva e Guilhermina Soares da Silva era o nome do casal.

Do casamento nasceram cinco filhos, na seguinte ordem: Maria do Carmo, Gildo, Neusa, Givaldo e Vilma Soares da Silva.
A Família reunida
Antônio Joaquim da Silva, chefe da família, era um homem muito honesto e trabalhador e tinha um grande mérito: sabia fazer amigos e era muito bem humorado.

Sua esposa, Guilhermina Soares da Silva, era tímida e reservada. Mas tinha uma grande virtude: o amor à família com dedicação total à cultura e à educação. Assim ela orientou seus filhos à leitura e aos estudos.

Em 28 de fevereiro de 1930, um acontecimento abalou a família: Nasceu com auxílio de uma parteira, como era comum naquela época, o segundo filho de         Dª Guilhermina, Gildo Soares da Silva, com uma deficiência visual diagnosticada como glaucoma congênito, que consiste no aumento da pressão intraocular, atingindo o nervo ótico, provocando a cegueira.

A doença se agravou e ele foi levado ao Recife, para uma consulta com o Oftalmologista. O diagnóstico não deixou dúvida, nem esperança. Aos sete anos estava totalmente cego.

Apesar do desespero, aconteceu um milagre. Gildo aceitou com altruísmo e grande dignidade a condição de deficiente visual. Nunca reclamou desta situação e já na adolescência começou a fazer pequenos trabalhos. Fazia carros de brinquedos para seu irmão mais novo, empalhava cadeira e fazia gaiolas. Assim ele ficou aproximadamente até os 26 anos, quando um acontecimento mudou sua vida.

No livro didático do primário, pertencente ao seu irmão Givaldo Soares, o Professor Renato Sêneca Fleury, de Ribeirão Preto, escreveu um texto sobre os cegos, o qual demonstrava que, através do sistema Braile, era possível o deficiente visual ler, escrever, se educar e, por meio do trabalho, se realizar como cidadão.

No final da lição o citado Professor teve o cuidado de mostrar graficamente como funcionavam os seis pontos do sistema Braile e colocou, ainda, o endereço dos Institutos dos Cegos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Esta lição mudou a vida de Gildo. Esta é a grandeza da educação e da leitura.

Sua mãe leu o texto para Gildo, que resolveu reproduzir o alfabeto Braile, usando sementes de paquevira. Foi pregando em uma tábua, reproduzindo todo o alfabeto em alto relevo para ser usado pelo seu próprio tato. Assim, ele fez seu próprio alfabeto em Braile visando se auto alfabetizar.   E o milagre aconteceu!

Dona Guilhermina, sua mãe, escreveu para os institutos dos cegos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, para obter mais informações sobre o sistema Braile e a educação dos cegos.

Recebeu do Instituto dos Cegos de Minas Gerais, além das informações solicitadas, livros, cadernos, tabuadas e regrete.

Doutor Jorge, diretor do Instituto de Belo Horizonte à época, sendo um homem ligado à educação dos deficientes visuais, forneceu endereço do Instituto dos Cegos do Recife e aconselhou a mãe a levar Gildo para iniciar sua educação especial.

Gildo chegou ao Recife em 1957, aos 27 anos. Era autodidata e já dominava a matemática, português, geografia e história.

Quando o Sr. Zacarias, diretor do Instituto dos Cegos de Recife, perguntou se Gildo sabia ler e escrever, minha mãe disse que além de ler e escrever em Braile, sabia também matemática e português, o que causou uma grande admiração ao diretor. O referido diretor aconselhou Gildo a fazer o exame de admissão. Além deste, fez também tiflologia e datilografia.
Gildo com os colegas do Instituto
 
Gildo ficou em Recife sozinho e sua mãe voltou para Lagoa dos Gatos.

Foi um momento dramático, os dois sofreram muito. Era um rompimento de uma convivência diária de mais de 27 anos. Mesmo assim, Gildo não se deixou abater.

Estudava com afinco, foi aprovado no exame de Admissão e no colégio Padre Félix, fez o básico e o clássico e depois o vestibular para cursar Serviço Social, na Universidade Católica.

Um fato relevante na vida de Gildo: Como era muito perfeccionista, ao terminar o curso secundário, não se sentiu preparado para enfrentar o exame vestibular.

Seu irmão Givaldo, em uma viagem ao Recife, tomou conhecimento de sua decisão, e convenceu Gildo a fazer o vestibular, como um treinamento para ganhar experiência. Foram juntos à Faculdade de Direito e Serviço Social, em busca dos programas para o vestibular. Faltavam apenas quatro meses para o exame.

Gildo fez opção pela carreira de Serviço Social e foi aprovado em 4º lugar. Concluiu seu curso em 1980.

Foi contratado pela Secretaria de Educação, como Assistente Social e foi o primeiro Cego em Pernambuco a exercer o referido cargo. Sua missão na Secretaria de Educação era nobre. Preparar e treinar os cegos para o aproveitamento no mercado de trabalho.

Além desta grande vitória, foi professor de música teórica do Instituto dos Cegos de Pernambuco. Profundo conhecedor do método Braile, foi reconhecido pela Sociedade Brasileira de Deficientes Visuais, que lhe concedeu uma medalha como “Brailista” do ano, reconhecendo seu notório saber neste método e seu esforço para difundi-lo no Nordeste e Norte do Brasil.

Gildo escreveu dois livros: “Sorobã para todos” e “Abrindo janelas”. O primeiro aborda assuntos relativos à Matemática e Aritmética, e o segundo, a sua visão da vida.


Gildo com o filho, Gabriel
Uma grande vitória de Gildo foi seu encontro com Severina Maria do Nascimento Soares, que depois de um grande amor, tornou-se sua esposa e companheira. Da união nasceu o anjo Gabriel, seu único filho. Severina era também professora de Braile e uma permanente incentivadora do seu marido.
 
Gabriel, Gildo e Severina
Gildo era um Cego de grande visão. Era, ao mesmo tempo, um educador, um cidadão e um filósofo. Ouvia mais do que falava.

Seu pai Antônio Joaquim da Silva foi quem melhor o definiu. Usava apenas uma palavra. Quando alguém o elogiava pela sua inteligência, pelo amor ao trabalho e pelo conhecimento do método Braile, seu pai afirmava: “Gildo é um homem”.

Givaldo Soares